ONG's AMI
Entrevista ao fundador e actual presidente da AMI, Dr. Fernando Nobre
Via Universitária
(V.U.): Como surgiu a ideia de fundar a AMI?
Fernando Nobre (F.N.): Como sabe tudo na vida é um caminhamento, já exercia as minhas funções de médico quando decidi ingressar nos Médicos Sem Fronteiras, em 1979. Em 1981 saíu um artigo na revista francesa "l'Express", com uma fotografia minha a operar e a falar da minha intervenção no Chade, (aquando da guerra com a Líbia). Essa revista «caíu nas mãos» do grupo da Grande Reportagem que, me contactou em Bruxelas e me acompanhou numa missão, em 1983, também no Chade. Na sequência dessa reportagem, o então Ministro da Saúde escreveu-me para Bruxelas, mostrando interesse em falar comigo no caso, da minha possivel vinda a Portugal.
Após o jornalista José Manuel Barata Feio, me colocar a questão se eu eventualmente estaria disposto a lançar uma Instituição com aquelas características em Portugal, foi então que avancei para uma Instituição Autónoma Portuguesa, em 5 de Dezembro de 1984, à qual dei o nome de Assistência Médica Internacional (AMI).
Esse era
o primeiro objectivo, fazer com que a AMI e equipas médicas portuguesas
pudessem actuar, nos países de língua portuguesa e não
só. À partida anunciei que teriamos uma visão global
e tentaríamos intervir onde pudessemos e onde fosse necessário.
É o que temos feito, na medida em que até agora interviemos
em cerca de 35 países, por isso, muito além do espaço
da língua oficial Portuguesa. Desde então como sabe, a AMI
criou uma segunda frente que é a acção social em Portugal,
os Centros Porta Amiga.
V.U.-
Que dificuldades encontrou a AMI logo no inicialmente?
F.N.-
Temos o exemplo dos médicos, em que 99% eram funcionários
do Estado a tempo inteiro ou em part-time, o que implicava de imediato
a autorização não só do Ministério da
Saúde, mas dos próprios serviços. A segunda dificuldade
também decorrente de toda a história do nosso país,
é que a sociedade civil, o mundo associativo, enfim, tudo isso eram
temas incipientes em Portugal, uma sociedade civil pouco estruturada, pouco
interveniente e pouco activa.
A terceira dificuldade foi o próprio poder económico em Portugal,
na medida em que é sabido que em relacção aos paises
da Europa do Norte temos um nível de vida inferior. Por exemplo
quando a AMI interveio no Ruanda, após o genocídio de 1994,
(a guerra entre o Zaire e o Ruanda), a nossa campanha de angarição
de fundos rendeu 9 000 contos enquanto campanhas semelhantes na França
e Bélgica rendeu entre 7 a 10 milhões de contos.
V.U.- Têm muitas pessoas a aderir às campanhas que realizam. Estou a lembrar-me por exemplo, da Campanha Nacional de Radiografia?
F.N.-
Temos. Essa é uma das campanhas viradas para a sensibilização
e participação do povo português. Este ano a Campanha
Nacional de Radiografia, vai decorrer no mês de Maio, e tal só
é possível graças ao apoio da Associacção
Nacional de Farmácias e à Comissão Nacional de Municípios.
V.U.- A nível orçamental estamos a falar na ordem de quanto?
F.N.-
Actualmente ao nível de liquidez em dinheiro, estamos a falar à
volta de 500 a 600 mil contos. Se fossemos orçamentar a participação
de todas as empresas e aos serviços que nos prestam, nomeadamente
em donativos, em medicamentos, em alimentos, todo o material diverso, passando
pelo o apoio da agência de publicidade o nosso orçamento ultrapassaria
o milhão de contos.
V.U.- O que nos pode dizer das missões menos faladas no âmbito da acção internacional?
F.N.- É verdade que dos cerca de 35 países onde hoje já tivemos projectos, missões, e outros só alguns é que foram focados, e essas foram as operações mais mediáticas. No fundo tivemos meia dúzia delas: a Jordánia, Irão, Roménia, Honduras e o Ruanda. Agora todas as outras que não se enquadram numa situação de grande calamidade humana têm menos eco na comunicação social. Efectivamente missões que entretanto já acabámos e onde estivemos cerca de um ano, como por exemplo na Georgia e Azerbeijão, não tiveram cá nenhuma repercussão, tal como outras que vamos fazendo por esse mundo fora.
A AMI, para as pessoas terem uma ideia de como actua-mos fora de Portugal, age de três maneiras distintas: são as grandes operações de emergência, (aquelas que em geral são notícia), como é exemplo o ciclone Mitch, o genocídio no Ruanda, a Guerra do Golfo. Depois temos missões de longo curso, aquelas onde ficamos 4 a 5 anos, estamos no Quanza Norte, em Angola, há quase 4 anos; a nossa missão no norte de Moçambique, onde estivemos na província de Nampula 4 anos.
Em relação à nossa última forma de actuar baseamo-nos no financiamento de projectos de Instituições não governamentais locais, em que têm recursos humanos, mas não têm capacidade financeira. Financiamos projectos na área da saúde e na área social, nomeadamente na reinserção das crianças de rua, como fizemos na Colômbia.
Cada vez iremos dar mais enfâse a esse aspecto, porque é talvez aquele que mais alegrias nos dá, implica também que a sociedade civil desses países assumam os seus próprios problemas e tente agarrar neles, não sendo sempre « nós de fora», porque a nossa presença é sempre premeditória.
Financiamos
projectos a instituições 3, 4, 5 anos, é o que estamos
a fazer no Senegal, no Togo e no Nepal, tentamos na medida do possível
criar condições a essas próprias instituições
para que elas possam gerar fundos que permitam a sua continuação
mesmo depois da nossa retirada.
V.U.- Com que tipo de ajuda é que contam, sei por exemplo que tiveram a ajuda da Força Aérea Portuguesa (F.A.P.)?
F.N.-
Sim a F.A.P ajudou-nos no transporte de ajuda huma-nitária e de
equipas para sítios alvo, foi nomeadamente, para a Jordânia,
durante a guerra do Golfo, para o Irão onde fizemos a intervenção
junto dos Curdos (após a guerra do Golfo) e em Angola na província
de Benguela.
V.U.- De todo esse financiamento, 500 mil contos não é pouco para tanta abrangência?
F.N.-
Esse orçamento abrange não só a parte internacional,
em Portugal, a AMI, já tem seis centros a funcionar. Destes,
cinco são Centros Porta Amiga e um abrigo para os Sem Abrigo em
colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa. Estamos
a construir uma 7ª unidade em Coimbra e a 8ª unidade vai ser
posta em funcionamento em Chelas. O Porto tem a sua unidade própria
que, estamos a alargar. A AMI já presta um trabalho significativo
no apoio aos sem abrigo e aos nossos excluídos. (...) Quando fundei
a AMI, vai fazer 15 anos em Dezembro deste ano, eu estava longe de imaginar
que poderíamos ter feito a "obra que fizemos". É importante
na filosofia desta casa a questão da humildade e da simplicidade,
fez-se uma caminhada que embora não tendo sido fácil, permitiu
fazer algumas coisas bonitas.
V.U.- Projectos para o futuro?
F.N.- Estamos num final do século extremamente conturbado, esperemos, e é um apelo que eu faço, que a NATO, não caia no erro colossal de desencadear bombardeamentos na ex-Jugoslávia, penso que iria complicar ainda mais o futuro da nossa humanidade no seu todo e penso que é importante que a AMI participe numa campanha de sensibilização, de informação e de alerta à sociedade civil. Nesse sentido nós lançamos há bem pouco tempo, o Prémio AMI Jornalismo Contra a Indiferença, que vai ser atribuido pela primeira vez este ano, em Maio. Vai premiar jornalista(s) com um trabalho com características humanas. Vai continuar a pôr no que respeita à questão internacional uma tónica especial nas ONG's locais, porque cada vez mais é nelas que eu acredito, se tivermos em conta que o mundo, nomeadamente o Hemisfério Sul venha a ter uma evolução positiva.
A AMI vai
continuar a actuar sempre que puder e tiver capacidade para isso nas situações
de grande emergência, e penso que esses vão ser os eixos dominantes,
porque a AMI é uma organização viva, sempre que aparecerem
questões fulcrais para a nossa humanidade, nomeadamente na questão
ambiental, que é um dos problemas graves com que o próximo
século vai ter que se debater e que vai ter de resolver. Se pudermos
dar o nosso contributo, daremos. Iremo-nos adaptando às necessidades
humanas que se forem sentindo.
V.U.- Se tivesse que fazer um apelo à sociedade portuguesa em relação a uma colaboração mais estreita entre povos na ajuda quer cá em Portugal, quer em relação ao estrangeiro, o que é que pedia?
F.N.-
Eu pedia que a população portuguesa não se fechasse
sobre si própria num eurocentrismo exagerado, que não vá
no caminho de um egoísmo.
Entrevista
realizada por Isabel Santos e Paulo Parreira a 24 de Março de 1999
(início
dos bombardeamentos na Jugoslávia)