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China e Taiwan: que reunificação?

    Das diversas entidades estatais que incarnam as grandes nações divididas, Taiwan encontra-se na posição menos invejável, já que o desequilíbrio entre as duas Chinas é verdadeiramente extravagante: uma modesta China insular (Taiwan) de 36 000 Km2 face a uma imensa massa da China continental (RPC) com cerca de 10 000 000 Km2; pouco mais de 21 milhões de chineses na ilha nacionalista contra os 1300 milhões dos seus compatriotas da China Popular. Ou seja, Taiwan tem menos de 2% da população e uma superfície 260 vezes menor que a República Popular da China. Existe também uma considerável “disparidade diplomática”: a China Popular é reconhecida por cerca de 130 Estados e é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (a 25 de Outubro de 1971, na sua XXVI sessão, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a resolução 2758, pela qual se outorgava a representação da China ao governo de Pequim, em substituição e excluindo a República da China-Taiwan); Taipé não mantém relações diplomáticas senão com uma “trintena” de Estados, e não consta sequer entre os membros da ONU. A China nacionalista é, portanto, uma espécie de “estado fantasma”, um desses excluídos da comunidade internacional cuja exclusão é tão paradoxal como era, até 1971, a da RPC. Curiosamente, ou talvez não, a comparação estatística da eficácia económica e dos índices de desenvolvimento humano mostra a avassaladora superioridade de Taiwan, explicada normalmente por um duplo contexto favorável ao “arranque” nos anos 50: o grande número de quadros e técnicos chineses refugiados em Taiwan, e a poderosa ajuda dos EUA.
Mais “marginalizado” desde que os EUA jogaram a “cartada chinesa”, nos início dos anos 70, o governo de Taipé nunca deixou de procurar afirmar a sua individualidade no plano internacional face a Pequim, mas o poder e a influência da RPC vêm limitando a capacidade de Taiwan intervir e de se fazer ouvir nos fora internacionais, nomeadamente na ONU. Tem sido visível nos últimos anos um aumento significativo das trocas comerciais entre os dois lados não obstante, e apesar de crises cíclicas, mais ou menos graves do Estreito de Taiwan. E também há progressos nos contactos oficiosos entre as duas partes, nomeadamente através de grupos intermediários como a “Fundação para as Trocas do Estreito” (SEF), taiwanesa, e a “Associação para as Relações entre as margens do Estreito de Taiwan” (ARATS), do lado chinês.
Contudo, se existem, entre a RPC e Taiwan, interesses comuns, eles são pouco numerosos e apenas de princípio, fundamentados na mesma comunidade cultural, no interesse comum em desenvolver as trocas económicas e comerciais, e na vontade, aparentemente partilhada, de reunificar a China. No entanto, os pontos de desacordo são numerosos e significativos:
? Para Pequim, existe apenas uma China representada pelo governo comunista, não sendo Taipé senão um governo local de uma “província rebelde”; para Taiwan, a condição prévia para qualquer negociação passa por admitir a realidade - uma nação dividida, duas entidades, isto é, uma China dividida e dirigida por dois governos “iguais”.
? À fórmula de Deng Xiaoping “um país, dois sistemas”, Taipé opõe a de “uma China livre, democrática e igualitária”, fundada nos “três princípios do povo” de Sun Yat Sen, pai da república chinesa.
? Enfim, se bem que ambas as partes manifestem preferência por uma reunificação por meios pacíficos, Pequim não exclui o uso da força no caso da “declaração de independência por Taiwan ou de interferências estrangeiras”, implementando a “política das três manutenções”: manter os laços económicos com Taiwan, manter a pressão militar sobre a ilha e manter o bloqueio diplomático. Por seu lado, para Taipé, a unificação é ainda um objectivo longínquo a realizar que necessita passar por várias etapas: trocas e reciprocidade, confiança mútua e cooperação, unificação pela negociação em termos igualitários.

A proclamação da República de Taiwan permitiria ao governo de Taipé reaparecer oficialmente na cena internacional, na qualidade de poder nacional taiwanês e já não na de nacionalista chinês — solução drástica que pode ser justificada pela história recente: existe uma personalidade e uma individualidade taiwanesa, reforçada por 50 anos de ocupação japonesa (1895-1945), e sobre a qual a RPC nunca deteve jurisdição. O obstáculo, porém, é triplo. Primeiro, Pequim não esconde a sua total oposição a uma secessão aberta e oficial da “província de Taiwan”: a proclamação da independência seria um “casus belli”. Segundo, a legitimidade do poder instalado em Taipé, o estatuto privilegiado do Kuomitang, seria aniquilado pelo próprio facto da independência. Por fim, a comunidade internacional, e os EUA em particular, poderiam recusar auxílio ou apoio a uma medida eventualmente considerada precipitada ou provocadora por parte das autoridades taiwanesas.
Assim, sendo pouco provável uma declaração de independência taiwanesa, e uma vez que ambas as partes reafirmam o seu desejo no sentido da reunificação, o problema que se coloca prioritariamente é “que tipo de reunificação” se pode perspectivar. Vejamos.
A integração forçada? O Estreito de Taiwan, com uma largura de 150 Km, estende-se sobre 300 Km de Nordeste a Sudeste entre a ilha e a província do Fugian; a sua parte mais estreita não ultrapassa os 135 Km; a profundidade é de 60 m, numa grande parte, e em média de 80 m – pelo que são evidentes as dificuldades para o emprego de forças submarinas. Por outro lado, seria difícil montar uma vasta operação de desembarque a partir do Continente (a capacidade de desembarque do EPL era estimada, em 1996, entre 6000 e 20 000 soldados, segundo os especialistas), e a concentração de meios seria rapidamente detectada, eliminando qualquer efeito surpresa. Por seu lado, Taiwan dispõe de forças aéreas, navais e terrestres evoluídas tecnologicamente e em quantidade suficiente para oferecer grande resistência a uma agressão convencional da RPC (as forças taiwanesas contam com 400 000 homens, dispõem de um eficaz sistema antimísseis e recentemente, foram reforçadas com vários F-16 e Mirage 2000, vários equipamentos de luta-anti-submarino e de aviões de vigilância tipo Hawkeye, várias fragatas de ponta francesas e americanas, etc.). Acresce que as ilhas Pescadores (Penghu) constituem no Sudeste, com as suas 64 ilhotas, um posto avançado frente ao Continente; e graças à “superlinha Maginot” das ilhas Quemoy e Matsu, onde estão concentrados mais de 150 000 soldados, Taiwan controla o Estreito. Portanto, militarmente, a tarefa de submeter Taiwan pela força seria muito complexa para Pequim. Até porque, previsivelmente, os EUA não abandonariam os “seus protegidos” taiwaneses. Politicamente seria inaceitável, tanto em relação a Washington, como também em relação aos seus vizinhos asiáticos. O que poderia levar, pelo menos, a um novo isolamento regional e internacional da China. Economicamente, os efeitos seriam certamente devastadores, quer sobre a economia da China (e de Taiwan, naturalmente) quer para a própria economia asiática e mundial que viriam assim confirmados os seus receios, já expressos, quanto às ambições agressivas e expansionistas da China..
A integração pacífica, amigável, negociada entre os regimes actuais? O estatuto de “província autónoma” ou de “região administrativa especial”, com a sua especificidade política, económica, social e judicial, tem sido periodicamente proposto por Pequim, no âmbito da política “um país, dois sistemas” que permitiu a integração de Hong Kong e Macau. Contudo, este estatuto não pode ser aceite por Taiwan, que deve a sua existência e situação actual exactamente por não ter querido submeter-se ao regime político comunista do Continente. Num quadro deste tipo não pode haver grandes evoluções rumo à reunificação, uma vez que nem sequer se iniciaram negociações efectivas com esse objectivo. Situação que não deve evoluir, a menos que hajam grandes alterações internas, ou um movimento de subversão bem sucedido numa das duas partes.

   Resta ainda a coexistência das “duas Chinas”, a justaposição de duas legitimidades (à maneira alemã ou coreana). É esta a perspectiva das autoridades de Taipé e de numerosos chineses no exterior; porém, Pequim mantém-se absolutamente intransigente quanto à sua representatividade exclusiva.

   Dos vários cenários sempre possíveis, o mais provável é mesmo o status quo. Portanto, Taiwan deverá continuar a ser uma espécie de “país fantasma”: existindo de facto, tentando obter o reconhecimento da sua existência e da sua individualidade, mas sem estar oficialmente integrado na comunidade das nações.
 

Luís Tomé

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