Lusofonia

KOSOVO
As eternas dificuldades da ajuda humanitária

    Como era de esperar e quase inevitavelmente a ajuda humanitária Portuguesa ao Kosovo é objecto de discussões e mal-entendidos. Sobretudo num país como o nosso em que a polémica parece às vezes eleita, ao nível de principal preocupação, de tudo quanto se realiza e seria bom chamar a atenção no sentido de evitar que as coisas se agravem. Existe um bom provérbio africano que diz, com muita razão que “quando os elefantes se batem quem sofre é sempre o capim (relva) ”. O Comité Internacional da Cruz Vermelha que presta ajuda humanitária há mais de 120 anos e a Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, que o faz desde 1919, sabem que, apesar da sua enorme experiência, este género de desentendimentos existem e podem ser atenuados mas, talvez nunca resolvidos satisfatoriamente.

   Até hoje o problema com maior dificuldade de solução é o da coordenação da ajuda humanitária, sobretudo quando, como no Kosovo, se encontram presentes mais de uma centena de organizações humanitárias. É o eterno problema de arranjar um ponto de encontro entre a “oferta” e a “procura” sem possuir um mecanismo de mercado que possa naturalmente encontrar um sítio de convergência. É um pouco como nas economias planificadas dos antigos países ditos socialistas. Este desencontro levava a situações difíceis, dramáticas e muitas vezes anedóticas. Já sem falar das tradicionais salsichas de porco enviadas para países muçulmanos, ainda hoje não me posso impedir de sorrir ao lembrar-me quando, em 1984, recebi em Gao (Mali), em pleno Sahel, um carregamento de bidés de uma empresa que queria contribuir para a... higiene dos sinistrados da seca. Há sempre os espertalhões e certas empresas que aproveitam para se desfazerem de velharias ou de “stocks” inúteis.

   Mas uma coisa deve estar sempre presente no espírito das pessoas que fazem este género de trabalho: a maioria esmagadora dos doadores agem sempre com espírito altruísta e a quase totalidades dos sinistrados recebe tudo com um sorriso de agradecimento. Então, senhores organizadores façam um esforço para atirar com o protagonismo para trás das costas e continuem corajosamente com o vosso trabalho, não esquecendo que o diálogo franco, aberto e discreto é a melhor das armas neste género de situações.

   O rapazinho alemão que classifica a ajuda portuguesa de “monte de vergonha” e a senhora delegada da “informação” que afirma abruptamente (nunca se tem completamente a certeza do que já chegou e sobretudo, do que está no pipeline) deveriam era regressar à sede e, se não o fizeram já, irem de novo sentar-se nos bancos das escolas de formação de Delegados da Cruz Vermelha.

   Quanto às ONGs portuguesas deveriam comprometer-se, quando há problemas importantes, a fecharem-se dentro de um escritório e dialogarem, discutirem e berrarem (porque não) sempre guardando presente a ideia de que os principais protagonistas são as vitimas das tragédias que o homem cria além daquelas que a natureza sempre se encarregou de nos fornecer.

*Luís Nunes foi durante 25 anos quadro da Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e ajudou ou dirigiu operações de socorro para mais ou menos um milhão e meio de refugiados sem contar outras tantas ou mais vítimas de terramotos, inundações, seca, fome, etc
 

Luís Carlos Nunes