Globalização

O esboço de uma nova ordem mundial?
Acção da NATO contra a Jugoslávia

    As operações da Nato contra a Jugoslávia têm suscitado reacções que às vezes se mostram difíceis de compreender, ou revelam que os seus autores ainda não compreenderam o que se está a passar. Sem querer, de maneira alguma fazer comparações abusivas ou ofensivas certas personalidades recordam a desorientação do General Pinochet incapaz de compreender que, como antigo Chefe de Estado, possa ser julgado por um tribunal de um país estrangeiro. Ele também não consegue vislumbrar que uma Nova Ordem Mundial está aos poucos a instalar-se.

   Já não é possível raciocinar em Ciência Política ou Relações Internacionais se continuarmos a considerar que o mundo está ordenado em nações com a sua sacros-santa soberania sem vermos que a globalização o transformou numa "aldeia global". O erro de alguns vem do facto que continuam a ver a segurança começando em linhas Marginot ou Siegfried, quando hoje ela não coincide concerteza com as fronteiras políticas, sobretudo, das grandes e das super potências. É tendo em consideração estes dados que, a ordem mundial que não é, nem pode ser imutável, terá que dar lugar a uma outra, pois aquela que saiu da II Guerra Mundial já não cumpre cabalmente a sua missão.

   Por outro lado, todo o processo assenta em duas coordenadas essenciais ou mesmo vitais para os Estados, ou seja a segurança que deverá manter, evidentemente, uma relação dialéctica com a ordem mundial.
 

   A formação de um novo conceito de segurança

   A ruptura económica, financeira e política que constitui a mundialização que domina o fim do nosso século poderá ter graves consequências se não nos compenetrarmos que uma relação internacional completamente nova bate à nossa porta. Trata-se não de uma acidente histórico mas sim de um grande desafio a fazer face. A mais perigosa tendência que algumas vezes se vislumbra, é aquela que pretende que os trabalhadores, cidadãos, políticos e empresários deverão adaptar-se a um movimento inelutável e de difícil domínio. Susan George nota que a globalização financeira, o triunfo do mercado, o canto da sereia chamando ao liberalismo integral, a omnipotência mediática, e o constante recuo da política é finalmente um projecto ideológico, que pelo liberalismo sem limites pode levar a novas desigualdades, exclusões e opressões especificas.

   Tudo isto leva-nos às vezes à constatação que sem um Governo mundial, teremos enorme dificuldade para afrontar os conflitos do próximo século que serão de uma natureza completamen-e nova.

   Na verdade, se o Congresso de Viena começou o esboço de uma ordem mundial, a Sociedade das Nações prometeu-nos o "nunca mais a guerra" que a Organização das Nações Unidas viria a aperfeiçoar mas não tanto, para que o Presidente George Bush, após a guerra do Golfo, pudesse afirmar que uma "nova ordem mundial" enfim nasceu". Ao menos, a prova foi-nos dada que uma Nova Ordem Mundial não pode ser global e muito menos dirigida por um único país por mais importante que seja.

   Somente a lenta construção do regionalismo não só económico, mas sobretudo político o podem fazer. É caso para dizer-se com uma razoável certeza, que a segurança tem fronteiras novas que não serão mundiais mas muito provavelmente regionais. Vivemos actualmente na dificuldade de identificar e delimitar essas fronteiras. Pode-se assim perguntar se as fronteiras da segurança de Portugal passam pelo Guadiana ou pelo Kosovo? Só a prática o decidirá, mas a responsabilidade não nos permite esperar pela resposta até que o desastre nos bata à porta. Da mesma maneira, quando Roosevelt quer levar o seu país a intervir na II Guerra Mundial ele já considerava que a fronteira de segurança do seu país não se limitava ao Atlântico. Certamente, desde 1991, ela não passa pela "cortina de ferro" mas, podem os EUA permitir que Milosevic desestabilize a Europa? A este propósito, é talvez tempo de solicitar que refreemos a nossa ânsia de querer dar nas vistas atribuindo constantemente desígnios imperialistas a um país que mais não faz do que defender os interesses da Europa que, é verdade, coincidem com os seus.
 

   Os elementos condicionantes do sistema

   Tudo estando interligado há outros elementos que só contribuem para tornar o problema mais complexo. Em primeiro lugar, as relações internacionais são já afectadas pelo aparecimento cada vez maior de actores potenciais tais como bandos armados, traficantes de droga, criminosos organizados em máfias transfronteiriças, etc. Esta pluralidade leva a que as soluções clássicas internacionais mostram-se difíceis de aplicar e os Estados entendem-se e protegem-se melhor dentro de espaços regionais com maiores afinidades identitárias. É a nova segurança cooperativa.
Em seguida, a pobreza o analfabetismo, a violência e as doenças não cessam de aumentar. Segundo Ignácio Ramonet o quinto mais rico da população da terra dispõe de 80% dos recursos mundiais enquanto que para o quinto mais pobre apenas restam 0.5%. Um planeta onde as transacções dos mercados financeiros e monetários representam cinquenta vezes o valores das trocas comerciais internacionais só pode gerar pobreza e exclusão. Se bem que uma Nova Ordem Económica Mundial já esteja a ser estabelecida torna-se urgente acelerar este processo.

   Por fim, os conflitos vindouros acentuarão uma relação já analisada por Honner - Dixon: mudanças drásticas na ecologia (esgotamento de recursos devido à actividade humana) associadas ao crescimento demográfico (recurso raro a dividir por um maior número de pessoas) e ao acesso desigual aos recursos (uma elite nacional ou estrangeira controla o uso destes) ditarão o estabelecimento e fortalecimento dos Regimes Internacionais (não-proliferação nuclear, espaços marítimos, meio ambiente e desenvolvimento sustentado, assim como a protecção internacional dos Direitos do Homem). No entanto, pelo momento, ainda estamos na predominância dos conflitos étnicos, religiosos e de identidade, principais perturbadores da ordem mundial enquanto perdurar a noção estreita de soberania e inviolabilidade de fronteiras nacionais.
 

   Uma Nova Ordem Mundial em construção

   Todas estas características podem ajudar-nos a compreender a Nova Ordem Mundial que está a ser implantada. Ela obedece a um certo número de variáveis essenciais.
Em primeiro lugar tanto económica que politicamente a globalização só pode ser enfrentada pela regionalização. A este pro-pósito, é profundamente injusto quando se proclama aberta ou disfarçadamente, a "demissão do Secretário Gral da ONU" face aos actuais conflitos. Kofi Annan é um profundo conhecedor da Organização (é o primeiro Sec. Geral que vem do interior da mesma) e foi durante bastante tempo o braço direito do Secretário Geral anterior. Este lugar de encarregado das operações de Manutenção da Paz, levou-o a compreender que a ruptura humana, material e, sobretudo, financeira seria inevitável se a ONU persistisse em se ocupar de todos os conflitos a nível mundial. Por isso da mesma maneira que ele dá prioridade à Ecomog ou ao SADC em África assim procede também, com a NATO para os Balcãs.

   No entanto, não se lhe pode negar uma actividade intensa: trabalhar na reforma da ONU, cujo Conselho de Segurança alargado supervisará as acções das organizações de segurança colectiva regionais, da mesma maneira que um Conselho Económico e Social, com verdadeiros poderes de Conselho de Segurança olhará pela coordenação da regionalização económica face à globalização o que implicará também, uma fiscalização das directivas, socialmente abusivas, do FMI, Banco Mundial e outros. Mas, o novo Conselho de Segurança alargado não poderá cumprir inteiramente a sua missão se se alargar também o direito de veto. É precisamente a grande dificuldade da reforma deste órgão. A este propósito deve também notar-se que os defensores da "legalidade " cara a Milosevic apenas citam a carta "esquecendo-se "de falar nas decisões do Conselho de Segurança sobre o Kosovo que ele desprezou e violou pensando, antecipadamente, poder contar com o "veto " dos seus aliados em caso de acção coercitiva ordenada pelo mesmo. Já para não falar no facto de que, pela primeira vez na história da ONU, uma resolução dirigida contra grandes potências poderia ter sido rejeitada pelos nove votos necessários sem precisar de qualquer "veto" dos membros permanentes. Lembremos que a resolução pretendia acabar com os bombardeamentos sobre a Jugoslávia. Ao rejeitar a proibição o Conselho dá-nos, ousadamente a tentação de dizer que em direito o que não é proibido...

   Para já, para azar do Sr. Milosevic, ele tem que compreender, pela força, que a cartilha de base das Relações Internacionais está a deixar de ser, cada vez mais, o Príncipe de Machiavel para dar lugar à Declaração Universal dos Direitos do Homem. O facto é que no fim deste milénio "cada um é responsável por todos " o que implica a abolição de fronteiras, ao menos no que concerne o respeito pelos Direitos do Homem.
 

Luís Carlos Nunes