Conflitos
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 Zapata Vive!
Chiapas

    O conturbado estado de Chiapas, no México, é palco, desde a sua formação (datada do século VI d.C.), de inúmeros conflitos e sublevações de carácter independentista. Desde a época Maia, em que se dividiu o território entre as várias tribos índias (Zoques, Quelenes, tzetzal e naturalmente os Chiapa), passando pelas várias etapas da conquista espanhola, durante as quais o povo sofreu um processo de aculturação algo sangrento, resultando daí uma cultura nova e híbrida integrada naquilo que se chamou a Província Maior de Chiapa que englobava a Guatemala e dependia da Coroa. No século XIX começam a delinear-se os contornos dos desejos independentistas mexicanos, e em 1821 o México vê a sua Independência formalizada através do Tratado de Córdoba. Este processo veio despertar o sentimento de separação em relação a administrações exteriores à Província de Chiapas. Mas não era consensual visto, no seu seio, se verificarem movimentos em prol da anexação ao México. De tal maneira, que a Província se encontrou à beira da Guerra Civil, situação que se resolveu com uma votação que levou à anexação de Chiapas ao Estado do México. No entanto, apesar de pacíficas e justificado com o passado comum, a Província é ainda hoje assediada pela Guatemala.

   Em suma, a Província Chiapaneca, rica em recursos hídricos, com uma situação geográfica privilegiada (uma longa fronteira natural com o Oceano Pacífico), um solo fértil que esconde grandes riquezas minerais (jazidas de petróleo), possuidora de uma Indústria de grande relevância para o país, sempre foi explorada e votada ao isolamento. O que por um lado lhe permitiu preservar a genuinidade da população indígena e tradições, mas por outro, obrigando-a a estagnar no tempo. Devido a esse facto, o povo mexicano viu-se forçado a pegar em armas algumas vezes para defender os seus direitos. Duas dessas vezes marcaram para sempre a História Mundial:

    - A Revolução Mexicana, em 1910, a primeira Revolução do século XX, onde se desenvolve o Zapatismo;
 
    - Em 1994, onde se desenvolve o Neo-Zapatismo;
 

Movimento Zapatista: “Liberdade, Trabalho e Terra!”

   México, 1877. Porfírio Díaz governa. Apesar da prosperidade económica, comercial, dos incrementos internos, Díaz governa o país como déspota autocrático, para além de concentrar os ejidos (sistema colonial que assentava no princípio da propriedade comunal, partilhada através da distribuição de parcelas de terra pelos chefes de família das aldeias, que as cultivavam, com a regalia de poderem ser herdadas) nas mãos de um pequeno grupo de proprietários, aumentando assim a pobreza e o analfabetismo. Crescem desta maneira sentimentos de descontentamento.

   Surge, justamente nesta altura uma obra intitulada “Sucessão Presidencial de 1910”, de Francisco Madero, que, inconscientemente deitava à terra a semente da insurreição. Por isso é perseguido, preso, mas foge para o Texas onde prepara a Revolução Mexicana. Paralelamente em Morelos surgia um movimento reinvindicativo da população rural contra o sistema latifundiário, defendendo o retorno à exploração agrícola comunal. Emiliano Zapata ou Grande Chefe do Sul, era o líder. Juntamente com Madero consegue depôr Díaz. Nesta altura surge Francisco “Pancho” Villa, o Centauro do Norte, que representava as ambições dos agricultores do Norte, bem diferentes das dos Zapatistas.

   Madero não cumpria as promessas feitas na sua campanha, o que faz surgir uma outra figura, Victorano Huerta, que depõe Madero e assume funções. No entanto, demite-se ao fim de um ano devido a pressões internas e externas (nomeadamente dos EUA).

   A sucessão é assegurada por Venustiano Carranza que não contava com o apoio de Zapata e Villa. Reúnem-se naquilo que ficou conhecido como Convenção de Aguascalientes (1914) para tentarem entender-se, mas sem sucesso, por isso os guerrilheiros passam a beligerantes, invadem a capital obrigando Carranza a fugir. A Guerra Civil mantém-se durante algum tempo.

   Em 1919 Zapata é atraído fora de Morelos (base do movimento guerrilheiro) sendo assassinado por um agente de Carranza, e o objectivo desta acção é alcançado: o movimento Zapatista esmorece, acabando por cair em esquecimento. Todo o esforço na defesa dos direitos dos índios e a devolução das terras que lhes pertenciam para exploração comunal foi esquecido.

   Zapata viveu, lutou e morreu por um ideal. Algumas reformas foram introduzidas no México, mas nenhuma chegou a Chiapas que foi sucessivamente votada ao esquecimento, também devido ao isolamento, mantendo-se a exploração dos índios e a posse das terras pelos grandes latifundiários.
 

Movimento Neo-Zapatista: “ Justiça, Liberdade e Democracia!”

   O Movimento ressuscita oito décadas depois na forma do Neo-Zapatismo, preconizada pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), cuja imagem de marca é o uso do “passa-montanhas” que oculta a identidade dos seus membros e líder, o emblemático Subcomandante “Marcos” (do qual se desconhece totalmente identidade – se é mexicano ou estrangeiro -, interesse no conflito e quem representa – se interesses internos se externos).

   Tentam levar a cabo o que Zapata e Villa iniciaram no início do século: depor o regime despótico e autocrata (neste caso o Partido Revolucionário Institucional, PRI, no poder desde 1929), defender os direitos dos índios e o desenvolvimento da Província. No fundo, o movimento veio alertar que passados 80 anos da Revolução Mexicana, as estruturas da época colonial se mantiveram e Chiapas continua numa situação inalterada de pobreza, subdesenvolvimento e isolamento.

   A madrugada de 1 de Janeiro de 1994, trouxe consigo o início dos confrontos, quando o EZLN tomou alguns municípios de Chiapas. A escolha da data tem a ver com a entrada em vigor do NAFTA (North American Free Trade Association) neste mesmo dia. Segundo o EZLN era sinónimo da “morte do índio”.

   Salinas de Gotari, no poder na altura, tentou ser generoso na resposta às reivindicações dos guerrilheiros e é marcado o primeiro encontro oficial entre as duas partes. De uma agenda de 34 reivindicações, e no final de uma semana de negociações, o EZLN vê 32 delas satisfeitas. As hostilidades cessam mas, por pouco tempo, visto as eleições (onde vence Zedillo Ponce de Léon) darem mais uma vez a vitória ao PRI. Em Dezembro os guerrilheiros pegam novamente em armas.

   Todas estas convulsões abalaram fortemente a economia mexicana, e os EUA viram-se obrigados a injectar 50 biliões de US$ no México, para não verem o sucesso do NAFTA comprometido. De seguida, Zedillo numa atitude de desespero ataca as bases Zapatistas, mas sem sucesso, voltando por isso à via da negociação. Até aos dias de hoje e depois de 5 anos de conflitos, ataques por parte do governo de Zedillo ou por parte do EZLN, pouco ou nada se alterou em Chiapas. Por todo o lado se fazem análises desta zona de tensão, várias teorias são elaboradas para a explicar. Vão desde a hipótese de o NAFTA prejudicar interesses de grandes latifundiários e industriais que, habituados a uma economia fechada e protegida “subsidiaram” grupos armados para ser gerado um clima de instabilidade, de forma a que o acordo não fosse implementado. Mas, há também quem ache que se trata de uma acção desesperada de velhos militantes marxistas, numa espécie de movimento subversivo de esquerdistas extremistas em Chiapas. Esta talvez se trate da última tentativa neste século de socialistas nostálgicos para evitar que uma economia de sentido comum – neoliberal e capitalista – se consolide na América Latina como alternativa para tirar da miséria muitas nações.

   Também não foi posta de parte a hipótese de ser algo “pré-fabricado” com um objectivo de criar condições de repressão e violação dos direitos humanos de modo a desprestigiar o governo mexicano depois da assinatura do NAFTA, ganhando ao mesmo tempo espaço político para os partidos da oposição.

   Quantas mais hostilidades e negociações serão necessárias para a Opinião Pública ver o verdadeiro problema de Chiapas?
 

Sónia Pereira de Sousa