Conflitos
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Fé e armas no Médio Oriente

    Desde a constituição do estado de Israel em 1948 em terras da Palestina não mais houve paz entre árabes palestinianos e israelitas. A violência e o ódio entre as duas comunidades, embora com períodos de relativa acalmia, tem crescido e aparenta conhecer novos incentivos entre as gerações mais jovens alimentado por uma espécie de obrigação de odiar transmitida de pais para filhos. Justamente este cenário está presente nas mentes daqueles que se mostram mais cépticos quanto a eficaz implementação dos acordos de Oslo e de Wye Plantation que os mais optimistas acreditam poder trazer, finalmente, a paz à região.

   O sentimento de revolta vivido por árabes palestinia-nos contra a comunidade israelita, que consideram usurpadora da sua terra e da sua identidade, associado a uma certa dose de frustração adquirida ao longo de muitas derrotas face às forças israelitas e ao longo de mais de 50 anos de luta pela defesa dos seus interesses sem grandes resultados concretos, tem lançado muitos palestinianos na militância em organizações semi-secretas de cariz marcadamente religioso que procuram pelas armas a constituição de um estado palestiniano e a consequente destruição do estado israelita.

   O clima de profunda instabilidade vivido pela comunidade palestiniana, dentro e fora do território de Israel, as suas dificuldades económicas, a incerteza quanto ao futuro e a desconfiança do presente são também elementos estruturadores do desenvolvimento de um contexto ideal para a eclosão destas organizações religioso-político-militares.

   O Hamas tornou-se assim uma destas organizações mais conhecidas  internacionalmente quer pelo número de militantes nas suas fileiras quer pela violência dos seus métodos de luta que em pouco mais de uma década já causaram centenas de vitimas.

   A sua forma actual é de criação relativamente recente e resulta de uma evolução ocorrida no seio da "Associação Socio-cultural Islâmica: Al-Mujama Al-Islami" que servia de fachada desde 1978 à "Fraternidade Muçulmana", uma organização criada nos anos 20 no Egipto e que rapidamente estende a sua influência a todo o mundo árabe e especialmente nos territórios ocupados por Israel. Esta  em 1987 enveredou pelo reforço da luta armada como meio para alcançar o objectivo final de constituição de um estado Palestiniano Islâmico no território da antiga Palestina que corresponde, grosso modo, ao estado Israelita.

   O seu líder espiritual, o Sheikh Ahmed Yassin, soube cativar para as suas fileiras centenas de militantes que formam várias células de acção e milhares de simpatizantes entre a população palestiniana refugiada e empobrecida dos territórios ocupados com especial ênfase para Faixa de Gaza. A fórmula deste sucesso é até relativamente simples, trata-se de associar de forma hábil Nacionalismo e Religião, pela via da fé oferecer refúgio para a dureza do dia-a-dia e pela via do nacionalismo exacerbado mostrar o caminho da luta por dias melhores. A consequência natural desta fórmula ex-plosiva foi a "Jihad" ou "guerra santa" levada a cabo pelos árabes palestinianos contra o estado israelita considerado responsável pela situação dos palestinianos.

   A palavra Hamas significa coragem, e por isso mesmo os seus militantes são absolutamente devotos à causa que abraçaram. Os seus operacionais, especialmente da facção "Izzal-Din al-Qassam", ficaram tristemente famosos pelos atentados suicidas que levaram a cabo numa espécie de versão moderna dos "Kamikaze" japoneses. Mais uma vez a articulação entre religião e nacionalismo revela-se explosiva pois ao serem simultaneamente crentes devotos e dedicados militantes da causa que advogam, estes operacionais perderam o medo da morte e tornaram-se imprevisíveis. Não têm qualquer tipo de preocupação com as mortes que causam porque a luta é santa e os fins justificam sempre os meios. Disso mesmo é exemplo o atentado no mercado de "Mahane Mehuda" em Jerusalém a 30 de Julho de 1997 onde morreram 16 pessoas e ficaram feridas quase 200.

   Actualmente, as acções do Hamas tem sido relegadas para segundo plano pelos atentados cometidos por uma outra organização similar, o "Partido de Deus" mais conhecido por "Hizballah", mas tal não significa que tenha deixado de existir. Aliás uma das grandes incógnitas quanto ao futuro do processo de paz israelo-palestiniano diz respeito exactamente ao receio de que organizações como estas possam barrar o caminho da paz.
 

Marisa Abreu Safaneta