Conflitos
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Angola, um país bicéfalo?

    Após as eleições, em 1992, que confirmaram o MPLA no poder reatou-se a guerra civil. Os vários esforços de paz culminaram com a assinatura do Protocolo de Lusaka, na Zâmbia, em Novembro de 1994. No entanto, tal como em Bicesse, o processo de paz saldou-se por um fracasso. Os últimos acontecimentos em Angola demonstram    uma situação de impasse. A UNITA insiste numa estratégia de desgaste da sociedade urbana graças ao afluxo de refugiados de guerra em direcção às principais cidades criando focos de tensão social. Ocupar o máximo de espaço do território, sitiar certas cidades como Malange, Huambo e Cuito, destruir infra-estruturas sem, no entanto, tocar nas plataformas petrolíferas - o amigo americano a isso obriga. Trata-se de ganhar tempo, aguardando o cacimbo (estação seca), de modo a assegurar um equilíbrio de forças, pois é nessa altura que o governo (MPLA) lança as suas grandes ofensivas. Uma estratégia de desgaste no sentido de obrigar o governo a sentar-se outra vez à mesa das negociações, para partilharem de facto o poder.

   O governo não esconde o seu desejo de resolver rapidamente a questão pela via militar. Porém, os problemas nos dois Congos, a forte resistência do movimento do Galo Negro, o descontentamento popular perante o caos económico, as tensões étnicas e "sócio-rácicas" começam a ter um grande papel na retórica das classes desfavorecidas nas cidades. As recentes mobilizações da comunidade internacional por parte do governo de José Eduardo dos Santos não parecem dar os seus frutos e exemplo disso são as recentes remodelações diplomáticas a que procedeu nas principais capitais ocidentais. Por fim, a tentativa de criar uma UNITA renovada não surtiu o efeito desejado. Esta conflitualidade permanente entre o MPLA e a UNITA acentua o carácter bicéfalo do país. Assim, temos um poder juridicamente reconhecido - o governo MPLA e um poder de facto - o "governo UNITA".

   O que caracteriza Angola, no presente momento, é o facto de ser um pais bipolar dominado, não por dois grupos étnicos mas sim, por duas forças políticas, ambas legitimadas pelas armas, pelo apoio das "massas", por uma história de luta contra o colonialismo e por um ideário de nação. Ambas pretendem ser as principais herdeiras do nacionalismo moderno e deter o monopólio da visão e definição legítimas do espírito angolano.

   Circunstâncias históricas fizeram com que na luta por esse ideário o MPLA se apoiasse fundamentalmente no mundo urbano e a UNITA no mundo rural. É nesta medida que o conflito angolano deve ser analisado à luz das relações rural-urbano, considerando as suas formas de organização social marcadas historicamente pela dominação colonial. E, igualmente, ser equacionado à luz das características das duas organizações políticas, submetidas à lógica de aparelhos militarizados, de um espírito de corpo, em que a tentação totalitária é permanente.

   Estas breves observações ficariam incompletas se não fizéssemos referência a certos condicionalismos externos, que em períodos diferentes da história destas relações desempenharam um papel relevante. Durante a Guerra Fria, os apoios eram claros: URSS-MPLA e UNITA-EUA, sobretudo, neste último caso, na era Reagan-Bush.
No fim de milénio os apoios são homeopáticos... Os Estados Unidos embora auxiliem o governo angolano, tal opção não tem influenciado, directamente, a correlação de forças entre os beligerantes. Por outro lado, a pulverização da URSS não impediu, por parte de Angola, a manutenção de certos laços (militares e económicos) com a Rússia. Quanto ao Movimento do Galo Negro, este, embora juridicamente isolado pela comunidade internacional, tem conseguido adquirir  armamento, tanto em quantidade como em qualidade, o que lhe permite apresentar-se como um facto consumado perante essa mesma comunidade. Aliás, fontes credíveis afirmam que os americanos não manifestam interesse no desaparecimento da UNITA.

   Por último, a guerra de Angola assume uma configuração regional. O conflito que opõe o Uganda à República Democrática do Congo traduz-se num complexo jogo de alianças, envolvendo países e respectivas oposições armadas, como é o caso de Angola e da República do Congo, para além do Zimbabwe e da Namíbia. Este teatro de operações político-militares insere-se num contexto de afirmação  hegemónica dos Estados Unidos da América na região, em concorrência com a Europa ("et pour cause" a França). Jogo, todavia, dissimulado pela ideologia da democracia global.
 

Fidel Reis