O último sentimento com que nos confrontamos é a inibição. Virando à direita, bate-se à porta ao fundo do corredor. Somos logo convidados a entrar, e a cumprimentar cada timorense que ali se encontra ou que por lá passa. Toma lugar uma conversa amena entre bandeiras timorenses, retratos de Xanana e Konis Santana, como se de retratos de família se tratasse, e cartazes conhecidos com palavras de ordem a favor da causa Maubere. Em cima da mesa o jornal indonésio “Kompas”, entre muita outra documentação, que ali não se brinca em serviço.
Carlos da Silva Lopes, estudante de Sociologia e Planeamento (na casa dos trinta) é o responsável principal da delegação geral autónoma da Renetil no exterior.
O Exclusivo falou com ele sobre Timor, porque falar
mais uma vez sobre Timor nunca é falar demais desta pedra no sapato
da comunidade internacional e dos direitos humanos.
Exclusivo — Falando da educação ou da falta dela, qual a importância da educação na causa timorense?
CARLOS SILVA LOPES — A educação no geral é vital, é o que nos distingue dos animais. Acreditamos que os timorenses que lutam pela independência têm de ser formados para conduzir Timor. Apesar de tudo, a Indonésia fez mais pela educação dos timorenses do que os portugueses. Em 450 anos os portugueses formaram apenas duas pessoas a nível superior. Em 20 anos a Indonésia formou centenas de alunos. Mas sabemos que são tudo manobras para ganhar a simpatia da comunidade internacional. São praticamente todos formados na Indonésia, mesmo porque em Timor só existe a universidade de Díli.
Exclusivo — Como é que funciona a inserção dos estudantes timorenses em Portugal?
C.S.L. — A inserção não é nada fácil.
Os jovens timorenses enfrentam muitos obstáculos. Alguns nem sequer
conseguem continuar os estudos. As dificuldades financeiras são
muitas, já para não falar na língua que quase nenhum
de nós domina. Em Timor a prática da língua portuguesa
é proibida e só os estudantes que frequentaram a escola antes
da invasão em 1975 falam português.
Outro dos obstáculos é a adaptação a
um novo sistema de ensino. Por muito que o governo português queira
ajudar, as escolas também têm a sua autonomia que tem de ser
respeitada. Quanto aos colegas portugueses, a cultura europeia separa-nos
irremediavelmente. Muitos colegas defensores da causa timorense tentam
ajudar, mas a competição e o individualismo europeu separam-nos.
Exclusivo — Em Timor como mantêm o contacto com a cultura portuguesa e com a nossa realidade em geral?
C.S.L. — Antigamente a igreja de Díli tinha o Externato S. José, onde era ensinada a língua portuguesa. Mas a Indonésia denominou-o como centro da resistência e fechou-o em 1990. A partir daí só mantemos o contacto com a actualidade portuguesa pela RDP Internacional, que recebemos, e para os poucos que têm receptor de satélite, a RTP Internacional.
Exclusivo — Qual o papel da Renetil?
C.S.L. — A Renetil está sedeada na própria Indonésia,
com delegações regionais em todas as cidades indonésias.
Tem ainda uma delegação geral em Timor. Tem ainda delegações
na Austrália e em Portugal. Pretendemos sensibilizar a comunidade
internacional e intermediar o diálogo entre a frente diplomática,
a frente clandestina e a frente armada. Publicamos boletins em português
(desde 1988), em indonésio, para a comunidade indonésia,
e outros ainda em dialectos timorenses para preservar a nossa cultura e
sensibilizar o nosso povo, principalmente aquele que é pela integração.
Já organizámos manifestações em Madrid
e em Abril passado na Alemanha, juntamente com organizações
de solidariedade alemã, durante a visita oficial de Mário
Soares. Também já organizámos actividades noutros
países como Holanda e Japão.
Exclusivo — O que esperam do novo governo português?
C.S.L. — O primeiro-ministro António Guterres já deu
um passo muito positivo, conseguindo reunir nas conferências da Comunidade
Europeia, em Madrid, vários líderes europeus em torno do
problema de Timor. É bom saber que Timor também entra na
agenda da comunidade europeia.
Também o ministro dos negócios estrangeiros Jaime
Gama fez um trabalho importante ao impedir a Indonésia de participar
nas forças militares da NATO para a Bósnia. Só em
dois meses este governo fez tanto ou mais do que o outro governo em todo
o seu mandato.
Esperamos que concretizem agora mais as suas medidas e pressionem
o governo indonésio a entrar em diálogo com a resistência
pois é importante para a nossa legitimidade a participação
nas conversações.
Exclusivo — O que esperam das Nações Unidas?
C.S.L. — Todos sabemos do poder que a Indonésia tem nas Nações Unidas. Como organização para o entendimento entre as nações, as N.U. deviam pôr fim a lobbies e diálogos sem fim e ir ao cerne da questão, promovendo um referendo em Timor. Timor não é a 27.ª província indonésia. Enquanto não se decidir sobre o destino do povo maubere, todos os dias os indonésios matam, perseguem e violam timorenses.
Exclusivo — Xanana Gusmão continua líder dos timorenses ou é apenas um símbolo para o exterior?
C.S.L. — Xanana une todas as tendências políticas e ideológicas. Mas símbolos só as bandeiras o são. Mesmo preso, Xanana continua como comandante das FALINTIL, e responsável principal do Conselho Nacional da Resistência Maubere (CNRM), órgão supra-partidário da Resistência. Comanda também a resistência diplomática, clandestina e armada, se bem que o conselho executivo da frente armada tem agora um outro homem a liderar que é o comandante Konis Santana.
Exclusivo — Como encaram os Timorenses associações como a associação de Amizade Portugal-Indonésia de Manuel Macedo?
C.S.L. — Manuel Macedo está a vender a sua dignidade e a do povo português, que defende a causa maubere. Vai contra as medidas do governo e contra os princípios da O.N.U. Não tem dignidade humana. Só vê os interesses económicos.
Exclusivo – Guardam esperanças para a actuação de Freitas do Amaral enquanto presidente da assembleia das N.U.?
C.S.L. — Pensamos que a posição de Freitas do Amaral será uma posição neutral e as suas resoluções seguirão as directivas da O.N.U. Mas acreditamos que ele não se esquecerá que também é cidadão português, embora sozinho nada possa fazer. De louvar foi o discurso agressivo de Mário Soares no 50.º aniversário da O.N.U.
Exclusivo — Como receberam a informação de que numa publicação do Ministério da Defesa a Resistência Timorense era considerada como “terrorismo separatista”?
C.S.L. — Foi um grande lapso cometido pelo ex-Ministro da Defesa. Nunca poderíamos ser separatistas uma vez que Timor nunca foi da Indonésia e muito menos terroristas visto que defendemos o Direito Internacional e a nossa luta é reconhecida pela Comunidade Internacional.
Exclusivo – Que mensagem deixaria para o novo presidente português?
C.S.L. – Esperamos que o Senhor Presidente da República faça
o mesmo, se não melhor, que o seu antecessor Mário Soares
que conseguiu lançar Timor na discussão internacional, se
bem que acreditamos que é sempre possível fazer mais.
Entrevista realizada por:
Ana Boto Machado e Paulo Eduardo Parreira