Falar sobre a Indonésia é falar de uma complexidade com inúmeras vertentes que, vis-à-vis, estão entre si interligadas. Mas o que é a Indonésia?
É um território espalhado pelo maior arquipélago do planeta, perfazendo um total de 13.677 ilhas (mais de metade desabitadas), com centenas de diferentes grupos étnicos, línguas, culturas e raças. A Indonésia sofreu desde sempre várias influências externas, mas há dois traços em comum que os indonésios partilham: a religião islâmica tem a adesão de perto de 90% da população, o que torna este país o maior Estado islâmico do planeta; o outro factor foi a colonização holandesa que os uniu pela primeira vez num grande império, através da destruição da estrutura económica e social, criando com isso novos padrões de vida, novas elites e um nacionalismo independentista que lentamente, e já neste nosso século, caminhou para uma afirmação cada vez mais marcante.
Aquando da 2ªGuerra Mundial, o Japão invadiu o arquipélago, forçando os holandeses a retirarem. Após os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, o Japão capitulou, deixando no território indonésio um vazio, já que as forças Aliadas se encontravam longe deste território. Este vazio foi aproveitado, sendo declarada unilateralmente a independência a 17 de Agosto de 1945.
O nacionalista Ahmed Sukarno foi escolhido para presidente de um Estado que não possuía exército, funcionários, dinheiro, etc., ou seja, os atributos necessários que caracterizam a própria existência de um Estado. Apesar disso, e apesar da enorme diversidade existente em tal Torre de Babel, Sukarno conseguiu direccionar os esforços das diferentes correntes, todos no mesmo sentido: não se podia hostilizar nenhuma parcela da base de apoio da independência, que incluía nacionalistas, comunistas, liberais, muçulmanos, etc. Foi então que Sukarno idealizou um conjunto de princípios fundamentais que pudessem ser aceites por todos os indonésios, independentemente da sua orientação política. A esses cinco princípios chama-se a Pancasila e são: a crença em Deus, a unidade nacional, o humanismo, a soberania popular e a justiça social e prosperidade.
Todavia, os holandeses reconquistaram grande parte do arquipélago, prendendo o governo. A independência só foi concedida em 1949, após muitos anos de guerrilha, bem como de várias pressões internacionais.
Sukarno assume a presidência, e durante esses anos, duas poderosas forças degladiam-se por forma a aproximarem-se do governo: os militares e o PKI (Partido Comunista da Indonésia, o 3º maior partido comunista do mundo, sendo o PCUS o primeiro, e o PCC o segundo). As políticas de Sukarno tornaram-se hostis para os interesses ocidentais e o PKI estava a aproximar-se rapidamente do poder. Em 30 de Setembro de 1965, os militares tomam o poder, nunca se chegando a perceber o que verdadeiramente aconteceu. Para uns houve um golpe comunista e que os militares reagiram, para outros, foi um simples coup d`état. A liderar os militares estava o general Suharto, que toma o poder.
Nestes acontecimentos e no caos que se seguiu, morreram entre 500.000 a 1.000.000 de pessoas. Suharto instaurou uma ditadura militar e iniciou um período a que chamou Nova Ordem. Poucos anos depois afasta definitivamente Sukarno, tornando-se ele presidente, o que ainda hoje se mantém, através de eleições em 1967, 1973, 1978, 1983, 1988 e 1993. Suharto reduz a actividade partidária a três partidos políticos, o PPP (uma amálgama de partidos muçulmanos) e o PDI (nacionalista com uma base secular) e o seu partido. No campo económico operou mudanças estruturais complexas transformando a Indonésia, de um país terceiro mundista, num dos “new little dragons” do Pacífico. O boom económico e o desenvolvimento foram sempre usados para justificar a falta de democracia; era a maneira de compensar a população da ausência de liberdade.
Mas as tensões da sociedade indonésia imprimem forças centrípetas muito dificilmente controláveis. A ameaça de desmembramento é real, já que a enorme diversidade é, a fortiori, um factor de desestabilização. As tensões estão ligadas a conflitos entre a elite javanesa (a principal ilha) e as ilhas periféricas, a conflitos entre muçulmanos e secularistas, militares e civis, ao descontentamento da população face ao regime, quer devido à falta de liberdade e de uma verdadeira democracia, quer porque existe uma desigual distribuição de riqueza, ao fundamentalismo religioso, aos problemas regionais, como os problemas em Aceh, Irian Jaya e ao nosso bem conhecido Timor Leste. O que é curioso, é que constatamos que todas as tensões estão interligadas, já que um problema social, como a desigual distribuição de riqueza pode originar conflitos religiosos, conflitos contra as autoridades, desejos autonomistas ou até mesmo independentistas, et al. Daí a enorme preocupação das autoridades por forma a manter a estabilidade.
A grande questão actual na Indonésia é sem dúvida a sucessão de Suharto, uma vez que anunciou que não se recandidatura nas eleições de 1998. Agora com 73 anos, é juntamente com o presidente Mobutu do Zaire e Fidel Castro um dos líderes que há mais tempo governa. A questão da sua sucessão é a questão do futuro da Indonésia. A personificação do regime é tal que desaparecendo o líder, é difícil fazer previsões. As hipóteses são: um candidato do regime, em que surgem dois nomes, o actual vice-presidente Try Sutrisno (da ala militar conservadora, javanesa e muçulmana), ou o ministro da tecnologia Habibie (um “tecnologista”, civil, e amigo pessoal de Suharto); outra hipótese é a democratização do regime, o que não será muito provável; ou então a passagem para um dos filhos de Suharto, também pouco provável de acontecer, apesar da aproximação destes ao poder. Fala-se muito que estando em jogo o futuro da Indonésia, Suharto tentará adiar a sua retirada, recandidatando-se novamente. Assim haverá mais tempo para a preparação da entrega do poder. Teria então de governar até ao ano 2003, tendo então 78 anos.
É um assunto da maior importância, que deverá ser seguido de perto muito atentamente.
Luís Pedro Vaz