Democratização da Indonésia
e consequências para Timor Leste



  Quando este tema me foi proposto, pensei logo que o artigo que a partir daí se desenvolveria seria altamente subjectivo, construído numa sequência de cenários possíveis (ou impossíveis), que serão certamente discutíveis. Por isso tentarei basear-me em factos para não me tornar demasiado irreal.
Começando pelo primeiro pressuposto, a questão da democratização da Indonésia é, por si, muito complexa, não sendo previsível a simulação dos acontecimentos que originariam tal processo. As demonstrações do descontentamento social face ao regime tornam-se cada vez mais frequentes e para responder a estas inquietações, Suharto tenta “suavizar” a sua repressão, transmitindo alguns sinais de abertura, para logo imediatamente recuar face à perda de controlo da situação: foram os acontecimentos de Julho de 1995 em Cibinang (Java Ocidental), com a repressão feita pela polícia e exército aos operários grevistas e também o encerramento de três jornais semanários, em 1993, que aproveitando uma abertura da censura, se tornaram demasiado críticos do regime.

   Por tudo isso, e por muito mais, as mudanças que poderiam levar à democratização da Indonésia e que teriam de surgir do interior do regime, não são previsíveis. Da sociedade civil começam a surgir movimentos que enquadram os sintomas da insatisfação popular, como a AJI (Associação Independente de Jornalistas), o SBSI (o sindicato independente), a PIJAR (uma organização pró-democracia), a gigantesca organização islâmica NU (com 25 milhões de filiados) e o PDI (um dos três partidos políticos existentes) liderado pela filha do ex-presidente Sukarno. A verdadeira “prova de fogo” será, indubitavelmente, a sucessão de Suharto, em que o regime vai sofrer perturbantes alterações, isto se Suharto decidir não se recandidatar.
Em relação a Timor-Leste, este regime tem mostrado alguns sinais de inquietação, sobretudo quando a comunidade internacional demonstra não ter esquecido alguns acontecimentos passados. Os exemplos do que muitos chamam ser uma “operação estética” abundam. Começando por um caso bem conhecido, a pena de Xanana Gusmão foi reduzida pelo próprio Suharto; preso em 1992 e condenado a prisão perpétua por rebelião armada, conspiração contra o Estado e posse ilegal de armas de fogo, Xanana Gusmão podia inclusivamente ser condenado à morte. Atendendo a inúmeros pedidos de importantes personagens internacionais, a sentença do tribunal condenou-o a prisão perpétua, mas em Agosto de 1994, Suharto reduziu essa pena para vinte anos de prisão. Também em 1994 constou que os militares ofereciam uma amnistia aos guerrilheiros da FRETILIN que se entregassem às autoridades. A própria Cruz Vermelha viu facilitado em muito o acompanhamento dos presos e das suas condições.

   A questão do número de tropas estacionadas em Timor-Leste foi alvo de redefinições: em Outubro de 1994 fontes indonésias anunciaram que haviam elaborado um plano para a retirada de dois batalhões para o fim desse ano; anunciaram também que a retirada total das tropas poderia estar concluída em 1996. O problema coloca-se quanto ao número de batalhões lá estacionados; acredita-se que esse número estaria compreendido entre os sete e os catorze batalhões, números muito díspares, consoante as fontes que os emitem, sobretudo quando constatamos que a população timorense rondará os 800.000 e que as fontes militares estimam o número de guerrilheiros como sendo de 100 a 200. É precisamente aqui que surgem as contradições: Abílio Soares, governador de Timor, afirmava em 1994 que desejava ver a presença militar indonésia reduzida a dois batalhões, ao que os militares contrapunham que tal não poderia acontecer, pois um batalhão seria necessário para combater a guerrilha e seis batalhões seriam necessários para “ajudar o desenvolvimento”.
Um sinal de preocupação foi, sem dúvida, o envio de tropas para Timor com experiência em missões de paz. Em 1994, a 17ª Brigada Aerotransportada, que tinha estado ao serviço da ONU no Cambodja, na UNTAC, foi enviada para o território na esperança de alterar o modus operandi militar.

   Curioso também é o papel do coronel das forças especiais Prabowo Subianto, genro de Suharto, que após três comissões em Timor-Leste, nos anos oitenta, continua a deslocar-se frequentemente a esse território. Analistas afirmam que ele seria um canal de comunicação entre Timor e Suharto, especialmente quando ele se comprometeu a entregar a Suharto uma carta de Abílio Araújo, propondo que este província fosse considerada uma “área especial”, como também uma carta de D.Ximenes Belo sugerindo que fosse dada uma maior autonomia para Timor. Também na Indonésia, um grupo de seis militares foi formado para estudar a questão timorense, tendo fontes afirmado que eles estariam interessados em explorar diferentes aproximações à questão. O grupo recomendou que fossem tomadas acções em matérias do dia-a-dia, como melhor habitação e introdução de modernas técnicas agrícolas, chegando até a propor a criação de um mecanismo que pudesse dar resposta às críticas locais, ao que um analista indonésio completou, dizendo que há a noção da necessidade de encontrar uma solução política para esta questão e não uma solução militar, isso porque as políticas governamentais não tiveram êxito e as pressões internacionais aumentam. Um sociólogo de uma universidade indonésia, Soetrisno, reforça a ideia de redução do número de militares, mas defende também uma maior participação dos próprios timorenses na representação de Timor, quer a nível distrital, provincial e nacional. O parlamentar do GOLKAR, Salvador Ximenes Soares, fez um apelo público para uma aproximação mais criativa à problemática de Timor. Ele defende que as autoridades da província deveriam ter a possibilidade de cobrar impostos, aceitar auxílio internacional directo, adoptar o seu próprio currículo  educativo e moldar um relacionamento especial com Portugal.

   Todas estas alterações que se sentem na Indonésia, com o regime, demonstram que algo poderá mudar; é fácil perceber que sem este regime, elas teriam um desenvolvimento mais facilitado. Mas a questão que se coloca prende-se com as ambições timorenses; será melhor uma dupla aposta numa maior transferência de poderes e um maior desenvolvimento, ou a separação imediata da Indonésia? E se for esta última, como é que Timor sobreviverá? Será essa separação aceite, mesmo numa Indonésia democrática?

   E internacionalmente, quer sejam os seus vizinhos do Pacífico, quer seja o resto do mundo?

   Quaisquer que sejam as respostas a estas perguntas, uma importante factor tem de existir: um pólo timorense que exerça funções de interlocutor com a comunidade internacional. Terá de ser a vanguarda de uma larga base de apoio da maioria timorense, que demonstre ser imune às quezílias internas, já que muitos analistas internacionais acusam os timorenses  de uma desunião de projectos e de esperanças que só serve para lhes retirar importância. Neste aspecto, a Declaração de Burg Schlaining foi um passo decisivo e muito positivo. Se os timorenses conseguirem demonstrar cada vez mais uma união de facto, que será certamente um processo difícil e longo, poderão ter uma maior voz na reivindicação de maior desenvolvimento, maior autonomia, ou independência e serem ouvidos com a atenção que hoje não conseguem captar.

Luís Pedro Vaz dos Santos